O trabalhador que decidir não se vacinar contra a Covid corre o risco de perder o emprego.
Essa é a compreensão de alguns especialistas em direito a partir da decisão inédita do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), de São Paulo, sobre o caso de uma auxiliar de limpeza. Ela foi demitida por justa causa de um hospital infantil por se recusar a ser imunizada.
Os desembargadores validaram a dispensa e abriram precedentes para outras demissões dessa natureza.
O professor de direito público no Centro Universitário Una Carlos Barbosa explica que não existe nada na legislação que obrigue o brasileiro a se vacinar, mas o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em dezembro de 2020, que o Estado pode impor medidas restritivas a pessoas que recusaram a imunização contra a Covid.
A decisão dos ministros está calcada na ideia jurídica de que a individualidade não se sobrepõe ao interesse da coletividade.
“A vacinação não está atrelada à autonomia individual, mas sim a uma política de saúde pública. Quem não se vacina coloca a vida dela e dos outros em risco e o direito à saúde tem que ser contemplado de maneira coletiva. O interesse público faz com que a vacinação seja obrigatória, embora não compulsória. Ninguém vai te amarrar para te levar para ser vacinado”, explica Barbosa.
Esse também é o posicionamento da maioria dos membros do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Se estiver no momento de a pessoa se vacinar e ela se recusar, vai estar colocando em risco todos os trabalhadores da empresa. O MPT entende, sim, que esse trabalhador pode ser mandado embora por justa causa, embora alguns membros entendam que o trabalhador deve ser mandado embora sem justa causa”, afirma Arlélio de Carvalho Lage, procurador chefe do MPT em Minas.
Exigência
Segundo Lucas Zandona Guimarães, professor de direito da Estácio Belo Horizonte, a decisão da Justiça paulista indica que as empresas têm o direito de exigir a vacinação dos funcionários.
Para ele, não apenas um hospital, mas qualquer instituição tem o dever de zelar pela segurança e saúde dos colaboradores e, por isso, pode exigir a imunização para evitar a transmissão do coronavírus.
O descumprimento das ordens gerais da empresa poderia ser considerado um ato de insubordinação ou indisciplina, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), permitindo o desligamento por justa causa.
“Considerando que a vacina está sendo disponibilizada pelo Plano Nacional de Imunizações dentro da escala dos municípios, se algum funcionário puder, mas não quiser se vacinar por alguma convicção ideológica ou religiosa, pode ser demitido por justa causa”, diz Guimarães.
Na decisão do TRT-2, o relator Roberto Barros da Silva afirmou que “a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes e seus acompanhantes”.
Sendo assim, a instituição pôde demitir a funcionária, após alertá-la sobre a necessidade da imunização em dois momentos.
Em Minas, até o momento, não foi dada entrada de qualquer processo de demissão por recusa de vacinação, de acordo com o TRT da 3ª Região (TRT-3).
Exigência de imunização pode virar regra para o mercado
Os setores jurídicos das empresas ainda não têm um consenso sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid, mas os empregadores estão preocupados em conscientizar seus colaboradores sobre o tema, diz Carla Kirilos, consultora e professora do MBA do Senac.
Segundo ela, as empresas já estão exigindo a vacinação nos processos seletivos, conforme o ritmo de imunização por idade em cada localidade.
Quem não se vacinou, mesmo tendo sido convocado em sua cidade, corre o risco de ficar fora do mercado de trabalho.
“Isso é questionado sem qualquer constrangimento por parte do selecionador. Se a vaga for disputada por uma pessoa de 40 anos vacinada e outra de 37, que ainda não se vacinou, mesmo que tenha acontecido a convocação para sua idade, existe uma grande chance de escolherem a pessoa de 40”, explica.
Como a vacinação por idade ainda não avançou para faixas etárias mais jovens, a caderneta com a prova de aplicação de ao menos uma dose não pode ser exigida no mercado de trabalho neste momento.
Mas Carla acredita que isso poderá ser uma realidade a partir de setembro ou outubro, quando a imunização chegar a boa parte da população adulta do país.
Informações O Tempo/ Foto: Andre Melo Andrade/Immagi